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Pescoço de naja* - oficina de corpo e desenho n. 8

Foto do escritor: cristinaelias09cristinaelias09

Atualizado: 13 de mar. de 2022

*As najas são cobras venenosas que expandem o pescoço na forma de um capuz quando se sentem em perigo. Existem diversas espécies de najas, mas nem todas são da mesma família. Fonte: https://escola.britannica.com.br/artigo/naja/481005

“Eu comecei a riscar. E, depois, eu tive tanto prazer em riscar, e riscar e riscar... que eu só risquei!”. Assumir o risco. Se entregar àquilo que não se sabe muito bem como resultará. Olhar para si mesma, sem uma imagem ou modelo pré-concebido. Por isso, comecei essa oficina de auto-retrato com um exercício muito simples: fechar os olhos e tocar a face com as pontas dos dedos. Que novos retratos de mim mesma podem sair daí?


Essa já é a segunda oficina que faço com o grupo Butantan de maior idade, coordenado pelo psicólogo Horácio Alberto Fernandes Filho, e, a cada vez que as encontro, acho mais surpreendente como o dividir com o outro, principalmente num contexto de fazer, de criar, de traçar caminhos em conjunto pode arredondar e amolecer as quinas da vida.


“Uma coisa que eu achei que chamava muita atenção no meu rosto eram os olhos. Só que agora, aos quase 75, eu reparei que eles estão diminuindo”. “Eu procurei não fazer um traço reto.” Um dos olhos é dedilhado. Cheio de pontos. “É o que eu enxergo menos”. Os olhos diminuem. A percepção se engrandece. Eu desenho e destaco os meus olhos minguantes. Agora eles são assim. Já tiveram outra forma. Agora são só diferentes. Assumo o risco, o traçado dessa situação. A imagem que eu mostro para os outros, o meu selfie, se altera a cada tic do relógio. “Como se o meu rosto estivesse meio que escorregando”.



E para quem pensa que não há muito o que fazer com relação à passagem de tudo, os depoimentos e desenhos que resultaram deste 8. encontro de Mulheres e Metamorfoses provam o contrário: há muito o que fazer, não importa a idade ou fase da vida em que fazemos. Começando por reconhecer a beleza de tudo que está. Que se transforma. E dividir as impressões, as percepções, falar e ser ouvida. Auto-desenhar-se e ter orgulho de descrever como eu fiz este desenho, o processo porque passei para chegar nessa composição, que já está se perdendo para formar outra.


“Eu fiz movimentos de coração, de fora para dentro”. O coração que flui de fora para dentro em movimentos circulares. Nesse breve e sutil gesto, sob um prisma ampliado, o segredo da relacionalidade, das fases e desenvolvimento de um indivíduo.




“Porque eu acho que a gente está muito viciada em pentear cabelo”. Viciada em agradar. Em dar ao outro aquilo que acredito que me fará ser aceita. Receitas de beleza e looks agradáveis que uma pessoa se vê obrigada a seguir. Por quê? “Eu fiz os mesmos círculos que fiz com os dedos em todo o rosto... No cabelo não foi circular”. Um corte na fluidez.


“Eu não fiz movimentos circulares. Pressionei. Para ativar os pontos que geralmente não são tocados”. Quantos pontos não são tocados na vida de um indivíduo? Principalmente quando se envelhece. E contando ainda com uma pandemia que nos obriga ao afastamento social. Os filhos crescem e fazem suas vidas. Parceiros se vão. A pele adquire traços e riscos e já não é mais tão atrativa aos olhos da normalidade. “Uma gata, uma gatinha... UMA TIGRESA”. “Eu não consegui me desprender do figurativo. Então, simulei”. Simular a própria imagem é também uma forma de se ver. Ver-me como aquilo que me faz completa. Uma gata, uma tigresa, um lobisomem. Naja. “Eu tentei fazer a orelha, mas saiu uma coisa tão disforme que eu a abandonei. Eu não explorei. E, do outro lado, eu nem fiz orelha”. Poder escolher aquilo que vou explorar na minha história, na minha auto-imagem. “Fiz o meu rosto destacando o nariz, que é um nariz grande. Mas o meu sorriso também. Eu gosto do meu sorriso”. “Uma vez na vida me propuseram uma cirurgia plástica, porque eu tenho muitas olheiras... Ele me pôs um espelho na frente e tocou dois pontos do meu rosto que mudaram totalmente... Eu usei o meu dinheiro: eu fui para a Índia”.


Nota sobre a composição deste texto:
Comecei a escrever este texto, citando os nomes de cada mulher fez cada depoimento. Conforme fui avançando, percebi que a minha voz começou a se misturar com a delas e que as vozes delas poderiam ser unidas em mosaico, formando conteúdos diversos que se combinam. Abandonei as autorias deixando apenas as aspas para diferenciar a reflexão posterior e as palavras e pensamentos nascidos durante este encontro. Me identifico em cada palavra que não fui eu quem disse.

Participantes:

Ana Brentano

Cira Cahenca

Dulce Maria Matheus

Eliana Haberli

Horácio Alberto Fernandes Filho

Lucy Parmagnani

Maria Aparecida de Mattos

Maria Auxiliadora

Maria José Silveira Santos

Marilia Christovam

Marisa Christovam

Mércia Tolendal Greguol

Miriam Fernandes Hunnicutt

Sonia Sodré

Zélia Gomes

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